SANEAMENTO BÁSICO, ZONEAMENTO RURAL E KILOMBO

Kilombo AfroCêntricas
10 min readAug 26, 2020

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Texto por Amaka Maranyane[1] > baixe aqui <

Cartaz divulgação da Live

HOTEP,

Ligada ao nosso Berço Civilizatório, o processo de articulação em torno da nossa existência, Kemet foi um dos maiores exemplos de construção, zoneamento e agricultura. O significado de Ka é a nossa energia vital. Quando retomamos a nossa existência, lembramos dos primeiros assentamentos humanos e a água como patrimônio. O crescente fértil foi o local de um dos primeiros assentamentos dos povos entre o Oriente Médio e Kemet, esses primeiros agricultores exerciam o trabalho de domesticação das sementes e desenvolveram técnicas agrícolas. Em Kemet era utilizado, junto às vazantes e enchentes do Nilo, o calendário Lunar com a mediação das estações: Estação da Inundação, Estação de Plantio e Estação da Colheita. Com isso, os povos Keméticos, como também os povos Bantos, são conhecidos pela agricultura, sendo importantes no caminho do conhecido zoneamento de território. Em Kemet ainda existia tratamento de água através do cobre, sendo o “Ankh” um dos símbolos do cobre.

Um dos modelos de banheiros usados em Kemet pode ser comparado ao equivalente tecnológico banheiro seco, que, basicamente, era um assento de vaso sanitário feito de calcário, igual ao modelo de assentos de vasos modernos, e este banheiro utilizava-se de resíduos secos para cobrir os dejetos. Abaixo da tampa, era acoplado um vaso para onde os resíduos e matéria seca eram destinados. Em casas mais pobres, podemos imaginar os banquinhos de madeira utilizados. Outras tecnologias africanas conhecidas foram o desenvolvimento do ferro, sandálias, tecidos, tecnologias agrícolas e de captação de água.

Recursos Hídricos, Escassez Mundial e o Recorte Racial

A privatização dos serviços públicos de saneamento básico adere um novo regime em uma época onde há múltiplos alertas sobre as possíveis mudanças climáticas. O Brasil tem um perfil hidrográfico diferente do restante do mundo, porém, como no restante do globo, há caminhos para a escassez de recursos, houve um calendário implantado pela cidade do Cabo na África do Sul, ao qual formulou diversas ações contra a completa falta de água e alertou outras cidades no caminho da sensibilização da população sobre escassez. Cidades no Oriente Médio, Índia e de vários países em África estão configuradas em áreas que passam por esse alerta. Por isso a importância da colocação no mapa de ações sobre a gestão da água, para diminuir o avanço ao Dia Zero.

Cairo é uma dessas cidades que estão implantando técnicas que diminuam o uso por pessoa e empresas, e aplicando medidas, como por exemplo implantação de banheiros sustentáveis que diminuem o uso da água na descarga dos sanitários, passando de 20 para 6–12 litros; ações de conscientização sobre o número de descargas, tempo de banho, e o consumo da água em hotéis e todas as redes de usos. Essas medidas apresentam-se como uma das tentativas da cidade retardar o marco da possível falta de água nessa grande cidade.

No Brasil, temos um sistema que também gasta cerca de 20 litros de água potável para cada descarga, um sistema que com o aumento da demanda pela água tem se mostrado insustentável. Não existe um sistema autossustentável para o esgotamento sanitário. Entendendo a falta de recursos hídricos vigente no contexto global, o Brasil não poderia ser diferente neste aspecto, pensando em como um direito universal, que é o acesso à água, em pouco tempo, poderá passar a ser mercadoria, houve um processo de encaminhamento à privatização da água no Brasil.

Neste cenário, o Brasil vem implementando leis de outorga de recursos hídricos, licenciamento ambiental e gerenciamento de resíduos. Mas o que não é dito é que houve essa abertura para que empresas privadas passem a ser concorrentes de empresas públicas no licenciamento dos serviços. A princípio, os recursos hídricos no Brasil foram organizados nos limites da sua estatização como articuladores para o sustento das empresas públicas que fornecessem o serviço de água e esgoto, porém a demanda por água está cada vez mais perto de um momento histórico de escassez, por isso a corrida dentro de um sistema ocidental e capitalista está mirando a gestão dos recursos a partir do lucro.

A água é um bem mundial e como dito anteriormente, o Brasil está enquadrado em um dos territórios com “maior abundância”, sendo esse critério distorcido considerando que, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), a Região Norte tem 80% da água disponível, podemos pontuar que a água em Manaus é privatizada, ou seja, é uma estratégia existente de domínio do recurso. Os estados como Ceará, Pernambuco e Paraíba, no Nordeste, são colocados no mapa do estresse hídrico, os quais passam por longos períodos de escassez.

De modo geral, as empresas estatais trabalham com o subsídio cruzado, como é o exemplo da Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A (Embasa), operante no estado da Bahia. Mesmo a empresa trabalhando em 367 dos 417 municípios existentes no estado, o superávit vem apenas das maiores cidades, estas contribuem na distribuição e mantimento da empresa que funciona com déficit, ou seja, sem ganhos nos mais de 300 municípios do estado. Esse subsídio cruzado mantém as contas dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Um importante ponto na possível privatização dos recursos hídricos são as contas, empresas privadas não apenas fazem a manutenção do serviço, é necessário o lucro para a empresa, ao qual coloca em risco as veiculações dos recursos em locais que não têm capital para pagar essa conta. A Embasa, como empresa estatal, pode entrar em um déficit, ou seja, contas negativas em um prazo muito rápido na Bahia, principalmente se as áreas nas quais a arrecadação pela prestação dos serviços for superavitária forem privatizadas, tendo que negociar as ações e ainda perder o que já funciona com o mínimo.

É um cenário que pode se estender por todo o país, entendendo que todos estão alertas na questão dos lucros e da demanda pelos recursos naturais, nesse caso, a água. O cenário não é otimista uma vez que a concessão de exploração dá direito ao território e à exploração para as empresas privadas, tirando o direito dos usos por comunidades circunvizinhas. Ou seja, uma bacia que era estatal é necessaria as comunidades ou qualquer pessoa a outorga para o uso da água, por isso a importância de uma organização, para que as localidades de pequenos agricultores, quilombos e reservas possam ter a autonomia, e não apenas negociar o inegociável: a água e o direito à vida.

Segundo a ANA (2019) encontramos os marcos da segurança hídrica, por exemplo, o “percentual da área do Nordeste afetado pela seca chega a 84,9 %”, “a população das cidades com risco hídrico chega a 60,9 milhões de pessoas”. Esses dados reforçam a necessidade de conduzir novos arranjos em localidades com possibilidades de escassez.

Desse modo, é observada a importância da autonomia do conjunto de associações, comunidades ribeirinhas, quilombos e das nações indígenas, uma vez que o Brasil está há séculos em sua formulação “à soberania”, reorganizando ferramentas genocidas, pois, ao privatizar ou caminhar para privatização de recursos, constrói uma guerra dentro dos territórios por posse da água, e os lugares que já estavam em um momento de vulnerabilidade social, estão também em vulnerabilidade quanto à saúde e ao saneamento básico. Com o corte dos subsídios cruzados, as empresas estatais podem entrar numa situação de falência e, mais uma vez, passar para um golpe de venda. Por isso, destacamos a importância dessas populações que estão, há muitos anos, lutando por seus direitos que, na conjuntura atual, passam pela urgência das articulações em torno da sobrevivência.

Como há muito em jogo, as grandes empresas, até mesmo as próprias ferramentas do Estado que retiram o direito à vida e negligenciam grandes populações, dão andamento a barragens de grandes impactos hídricos e ambientais que não favorecem as populações e sim retiram o percurso do rio e a subsistência. Por isso, a mobilização de ações feitas pelos povos atingidos por barragens que, antes mesmo das construções, entram em embate com grandes corporações e essa “soberania” nacional, que estrangula todos em torno dessas construções.

Para além dessas construções que destroem o Meio Ambiente, há também a possibilidade de localidades rurais que necessitam de meios para “acumular” fazerem o uso de água, com os conhecimentos ancestrais e reflorestamento. O que podemos observar é que parte das construções de casa, enchentes e erosão na zona rural, estão vinculadas ao desmatamento, o mesmo acontece com as possíveis nascentes que existiam nessas localidade. A possibilidade de reflorestamento de áreas centrais, mapeamento de antigas nascentes, o reflorestamento pensando na drenagem local para manter o curso das chuvas de maneira natural na zona rural, perpassa por esse processo de reflorestamento. Com isso, antigos lagos e possíveis nascentes tenderiam a voltar ao movimento natural na região que necessita de um retorno a esses meios de captação de água. Outra forma de captação de água comum no Nordeste é a cisterna de ferro e cimento. Estas cisternas podem ser para consumo humano[1] ou cisternas de produção[2]. Alinhar a construção de cisternas em áreas urbanas, como quilombos, e em áreas rurais é uma possível forma de mantimento e estabelecimento com captação da água de chuva.

Ainda, estudos estão sendo realizados para o aprimoramento das técnicas para casos extremos de falta de água. Por exemplo, é possível fazer uma tecnologia de dessalinização solar por gotejamento que pode ser construída de maneira simples com lona, cano pvc, vidros, cimento e tijolos. A água é colocada dentro deste mini tanque e logo descerá para um recipiente, mas ela estará pobre em minerais. Com isso, é necessário a adição de minérios (cálcio, potássio, ferro, bicarbonatos), mas a água destilada não é própria para consumo humano como substância pura, por isso, é importante a divulgação do conhecimento, entendendo também as suas limitações. Na emergência de encontrar novas técnicas para o possível consumo de água, fica aqui a dica para quem tiver interesse em pesquisar mais e conseguir solucionar as possíveis demandas por tecnologias (lembrando que ainda está em desenvolvimento).

É possível colocar a água nos potes comuns de barro e adicionar minerais. Neste caso, a água que está contaminada e precisa ser tratada pode ser levada em garrafas para desinfecção solar depois do procedimento. Algo importante e disseminado para desinfecção é o carvão ativado no formato granulado, que é eficaz na remoção de contaminantes da água.

Com isso, a importância de uma gestão local, equilibrada e universal da água para todas as comunidades, para caminhar para uma autonomia de recursos, não vender as fontes de águas minerais para grandes empresas, evitar vender os poucos recursos existentes em pequenos planejamentos ocupacionais e rurais, é um caminho para beneficiar a população vulnerável diante da possível falta de recurso.

Dentro das chamadas “cidades cinzas” nos grandes centros urbanos, a população mais afetada pela falta da prestação dos serviços públicos de saneamento básico são as populações nos bolsões de pobreza no recorte racial do país que colocam toda uma população em situação de insalubridade, a população indígena e a população preta, são alvos da falta de acordos e testemunhas do que colocamos enquanto pautas genocidas que excluem e roubam os direitos ou acesso aos recursos básicos e saúde. As leis não protegem as populações e, com as privatizações, há um estrangulamento dos que estão em vulnerabilidade social. Não apenas os recursos hídricos seriam privatizados, mas também a autonomia é colocada em risco.

Mapeamento e Zoneamento

Entendendo os recursos naturais dentro dos territórios, em busca de retomar as antigas nascentes, zonear é conectar a nossa energia com a terra e fazer o uso energético de maneira equilibrada. Ouvindo aos mais velhos, acordos para o reflorestamento e o resgate do território, podemos estender as nossas ações em busca da reconexão dentro destes locais.

O risco da demarcação de território durante os últimos séculos, observando a demanda e posse dos recursos por empresas, grileiros, aristocratas e pela a camada que mantém o poder dentro dos governos, observamos aqui o perigo versus benefícios nas demarcações. Por vezes, a luta de povos quilombolas e indígenas em busca da preservação dos territórios e do direito à vida, são comumente analisadas por meio de especialistas fora do âmbito dessas comunidades. A denúncia é que parte dos recursos que estão dentro desses territórios, analisados e conhecidos como “um todo”, também podem passar a ser alvo de grandes corporações, entendendo que a retirada de direitos é uma caneta leve dentro de um estado de guerra. Desta maneira, o cuidado na revelação e relações entre territórios e comunidade, devem ser afiados para que não haja uma re-demarcação que corte essas regiões e que elas simplesmente percam os seus direitos. Há limites para os quais “benefícios” da demarcação de terra pode passar também para “demarcação de recursos” e serem alvo desse processo de invasão.

Preservando e entendendo o cuidado que devemos ter ao mapear e acreditar em técnicas que podem estar dentro do planejamento da comunidade, um dos métodos de organização é utilizar um desenho simples de croqui demarcando as entradas e saídas, reconhecimento das vegetações e possíveis locais com água. Quando houver reuniões de pessoas da comunidade, estas podem conversar sobre os problemas locais e as possíveis soluções. Um método simples é a árvore de encadeamento de problemas[3], ao qual cada participante traz os problemas relacionados a plantio, água, coleta de resíduos e irão pensar a partir dessas questões as possíveis soluções.

É um processo para a regulamentação fundiária dos quilombos, porém é uma organização eminente para mantimento da população preta no país. Há outras formas e motivações para organizações quilombolas, como os quilombos urbanos e kilombos contemporâneo, que também podem ser organizações que auto gerenciam os recursos e procuram o retorno de uma dimensão comunitária, vincularem as pessoas próximas e passarem por esses possíveis assentamentos, o resgate da natureza e ao mesmo passo de retorno do nosso caminho de vida para a conexão com o todo.

Referências

DIAMOND, Jared. Guns, Germs, and Steel: The Fates of Human Societies.. ed Norton & Company. New York, 1997.

Agência nacional de águas: http://conjuntura.ana.gov.br/crisehidrica. Último acesso em: 08 de julho de 2020.

History of Toilets in Ancient Egypt. https://toiletology.com/resources/history/history-of-toilets-in-ancient-egypt/. Último acesso em: 28 de junho de 2020

Coming Clean on Egyptian Toilets: Shatafa What? https://www.whynotegypt.com/egyptian-toilets-shatafa/ Acesso: 02 de julho de 2020

Toilets in Egypt. http://www.alternativeegypt.com/Travel-Information/Toilets-in-Egypt.html. Último acesso em: 02 de julho de 2020.

Embrapa Diagnóstico Rápido Participativo (DRP). https://www.embrapa.br/amazonia-ocidental/busca-de-publicacoes/-/publicacao/867518/diagnostico-rapido-participativo-drp-como-metodo-de-avaliacao-do-programa-de-gerenciamento-de-residuos-laboratoriais-pgrl. Último acesso em: 10 de julho de 2020.

[1] http://www.cetap.org.br/site/wp-content/uploads/material/construcao_cisternas.pdf

[2] https://biowit.files.wordpress.com/2010/11/3-apostila-cisterna-captacao-agua-de-chuva.pdf

[3] https://www.embrapa.br/amazonia-ocidental/busca-de-publicacoes/-/publicacao/867518/diagnostico-rapido-participativo-drp-como-metodo-de-avaliacao-do-programa-de-gerenciamento-de-residuos-laboratoriais-pgrl

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