SANKOFA: a benção dos ancestrais

Kilombo AfroCêntricas
6 min readAug 26, 2020

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Texto fruto por Abibiman Kandace, > baixe aqui <

Cartaz da Live sobre Sankofa

“Nós somos os sonhos de nossos Ancestrais”

Anin Urasse

De certa forma, podemos dizer que nossas lembranças e memórias começam com nossas famílias, com as pessoas que vimos ao nosso redor enquanto a gente crescia e aprendia. Todos nós temos uma história e todos nós compartilhamos muitas histórias em comum. Às vezes a gente nem percebe ou demora a entender que simples hábitos ou maneiras de fazer as coisas são heranças de nossos Ancestrais.

Também podemos imaginar a nossa história como uma bola de barbante e quanto mais puxamos o fio mais a nossa história se desenrola diante de nós. E é quando passamos a entender a nossa história que passamos a nos sentir como sujeitos capazes de interferir e promover mudanças no mundo.

Sankofa

Falar de Sankofa abre múltiplas possibilidades de agir no mundo, mas aqui vamos falar de um duplo propósito. (1) Resgatar a nossa herança Ancestral nos situando em um mundo que é nosso; (2) Exercitar a cura de vivermos em uma história interrompida. De fato, lembrando a grande intelectual Beatriz Nascimento, nós somos uma Civilização Atlântica decorrente da travessia forçada que nos pôs em Diáspora rompendo brutalmente a nossa história. Mas nossos Ancestrais através das mais variadas formas preservaram a cultura afrikana e nos deixaram como herança, não só de séculos atrás nos anos 1680 ou 1791, mas também nas últimas décadas, experiências e ações que nos inspiram ainda hoje.

Portão com Adinkra

Esse é o sentido principal de Sankofa, palavra da língua Akan que significa “Volte e pegue” e faz parte do provérbio “Se wo were fi na wo sankofa a yenkyi / Não é tabu voltar para trás e recuperar o que você perdeu”. Não é vergonha recuperar nossa herança deixada por nossos Ancestrais. E onde encontramos essa mensagem? Mesmo sem perceber desde criança estamos em contato com os símbolos Adinkra, uma escrita do povo Akan da qual o Sankofa faz parte. Entre os primeiros Afrikanos a sofrerem com a Maafa, a interrupção de nossa história, estavam mestres ferreiros e mestres construtores que preservaram a tecnologia Afrikana e a cultura de seus povos nas marcas das construções dessas terras do outro lado do oceano. Reconhecer essa resistência vitoriosa é como segurar a ponta do fio da bola de barbante, é trilhar o caminho para compreender como a nossa história é riquíssima e como ela serve de exemplo para nós hoje.

Portões de entrada com Adinkra

Ao nos inspirar em nossos Ancestrais, podemos procurar resgatar esse modo de viver que elas e eles lutaram tanto para proteger. Uma Espiritualidade que mantém o equilíbrio com a natureza, uma família ampliada onde predomina o apoio coletivo, comunidades matriarcais que mantém uma importante conexão com a terra e os alimentos cultivados. E isso é só o começo, o chamado de nossos Ancestrais, Sankofa nos lembra que temos outras formas de ver o mundo e o Kilombo é nosso grande modelo político de organização, de viver. Palmares foi uma sociedade fundamentada nos valores Afrikanos, na qual Sankofa é retomar a nossa história interrompida, assim hoje como antes. Nosso objetivo não é corrigir os erros de uma colonização racista, mas sim fortalecer e retomar nosso modo de viver como era antes dos brancos escravistas atacarem nossos Reinos e Aldeias e nos lançarem na Diáspora.

Honorável Marcus Garvey

Podemos ver os princípios de Sankofa nas ações e palavras do Honorável Marcus Garvey. Além de defender o Amor por Afrika, a terra de nossos Ancestrais, Garvey também dizia que deveríamos recuperar nossa História, ela é grandiosa e nós somos um Povo grandioso. Da mesma forma que nossa histórica é única, nós devemos refletir isso, somos uma Povo com um destino de reerguer Afrika. Em qualquer parte do mundo, para os descendentes filhos e filhas de Afrika, os Pretos e Pretas do mundo só serão respeitados quando Afrika for respeitada.

Foi entendendo a importância de nos reconectar com o passado que nosso último Faraó, o multigênio Senegalês Cheikh Anta Diop, realizou um maravilhoso trabalho demonstrando que o Povo de Kemet (Egito) era Negro e sua cultura e civilização é de origem Negra Afrikana. Além disso, Diop mostrou como a influência Kemética se estendeu por diversas áreas do continente e teve continuidade em muitos lugares como em Afrika Ocidental. Reconhecer a Unidade Cultural Afrikana é ter um modelo de civilização que seja baseado em valores criados e preservados por nossos Ancestrais. Não se trata de uma utopia, estamos falando em recriar sociedades bem sucedidas, também não se trata de copiar, mas de atualizar para nossos dias as soluções dos nossos desafios.

Lélia Gonzalez

Lélia Gonzalez explicou brilhantemente como nossa cultura pode funcionar igual a uma armadura que tenta nos proteger das agressões externadas, nos ajuda a se defender dessas violências e retomar a nossa cultura é também um processo de cura. Entender a importância da oralidade e de se deve escutar os mais velhos e as mais velhas, tratar da espiritualidade, valorizar a mulher, cuidar da terra, são diversos os aspectos da vida que somos convidados a revisitar. Sankofa é uma filosofia que fundamenta nossa Ancestralidade e permite reerguer nosso matriarcado Afrikano.

De maneira prática, sabendo que Sankofa exige o respeito aos Ancestrais e aos mais velhos, isso significa que idosos devem ser bem tratados. A ideia de asilo e de abandono dos idosos nunca foi uma prática Afrikana. De maneira semelhante, as mulheres serão respeitadas por ser uma mais velha, pois ser uma ancestral não depende de gênero. As mulheres Afrikanas sempre foram o pilar das famílias e comunidades Pretas, reconhecer isso exige uma ação prática contra o patriarcado branco. Assim como nossa Espiritualidade exige um respeito verdadeiro pela natureza. E nossa resposta é concreta, é baseada em uma experiência real que já se mostrou bem sucedida, seja no Reino de Mali, no Kilombo de Palmares ou nos Kilombos contemporâneos.

Assista a live sobre Sankofa com Abibiman e Aíla

Sankofa é uma forma de viver, é uma herança ancestral que carregamos, um lembrete de preservarmos e mantermos viva nossa cultura Afrikana.

Como diz a MC Arielly Oliveira — Negra Soul

“Salve essa terra de arê onde o coração batuca. Vai lá no terreiro rezar pro seu santo e pede ajuda. E honrar seus ancestrais, carregar seus ideais. Não desista Nega!”

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✊🏾Pra NÓS, Só AMOR. Pra eles a JUSTIÇA de XANGÔ! ✊🏿

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